The 7th Saga: o dia que a dificuldade importou

Belmonteiro
8 min readMar 12, 2021

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Tanto é que se você já ouviu falar desse jogo foi por causa dela

Quando Dark Souls se tornou um título popular e virou referência no que diz respeito a dificuldade nos jogos modernos, uma tendência acabou surgindo entre jogadores e jornalistas que virou meme: The Dark Souls of X. E a razão desse meme nascer foi pela mania de pessoas comparem da forma mais genérica possível qualquer jogo que tivesse uma dificuldade um pouco acima da média com Dark Souls.

Só pra descarga de consciência: a imagem acima é um meme, tá? Embora eu não duvide nada que um jornalista falou isso em algum momento

Honestamente eu não sou muito fã dessa comparação por dois motivos:

  1. acho ela muito redutiva (essa palavra existe no português?) e, por vezes, uma afirmação exagerada que acaba dando mais razão para o estereotipo de jornalistas que não sabem jogar
  2. pra mim ela faz uma supervalorização da dificuldade como um elemento importante na jogabilidade. Tanto é que nos anos que seguiram o lançamento de Dark Souls eu tive a impressão que houve um enorme boom de títulos que tentavam ser o jogo difícil do momento

Eu realmente odeio quando batem muito nessa da tecla do jogo difícil porque sempre tem N motivos melhores para exaltar um jogo. Por exemplo, uma das características mais marcantes (pra mim é A mais marcante) de Cuphead é a parte técnica do jogo, utilizando o estilo de animação rubber hose, design de personagens e trilha sonora que homenageiam os desenhos de 1920 e 1930. Porém sempre que eu esbarro com alguém falando do jogo é sempre a mesma lenga-lenga de como “ai como esse jogo é difícil, gente”.

Ô joguinho tão bonitinho do pai!

Generalizei um pouco, mas vocês entendem o que eu quero dizer!

Mas enfim, vamos aproveitar o gancho e ir para o tema do texto. Pensando nessa questão da dificuldade eu me lembrei que existe um jogo do qual eu considero que esse fator é a única que o torna memorável, no sentido mais brando da palavra. Na real, não sei se há outro motivo pelo qual ele seja conhecido. Estou falando de um RPG lançado para o SNES chamado The 7th Saga. Que nem sei porque eu fingi surpresa sendo que está lá em cima no título.

Ou Elnard pros íntimos

Na sua época The 7th Saga pode até ter gozado de certo destaque, porém olhando pra ele hoje eu acho ele bem sem graça comparado com outros títulos contemporâneos. Só em 93 tivemos o maravilhoso Phantasy Star IV que eu tô citando aqui porque mencionei ele no meu último texto e queria uma desculpa para linká-lo aqui.

Não há muito que tirar da história de The 7th Saga que é uma narrativa mais do que batida nos jogos de RPG, o mundo do jogo tem uma ambientação bem genérica que não vai além do básico em construção de universo, as dungeons são bem sem graças e o combate não foge muito do que já tinha sido visto, apesar que nesse quesito eu considero que ele tem umas características própria interessantes. Mas se você perguntar pra qualquer um que conheceu o jogo eu aposto com toda segurança que o motivo pelo qual ele se lembra de The 7h Saga é o fato do jogo ser muito, muito, muito, muito… MUITO difícil.

Ok, não é pra tanto.

Mentira, é pra tanto sim e logo vocês entenderão porque. Porém primeiro tenho que contextualizar um pouco vocês, caros leitores, sobre algumas particularidades do jogo.

Em The 7th Saga você escolhe um dentre 7 personagens que são recrutados pelo rei Lemele para encontrar 7 runas mágicas que estão espalhadas pelo mundo de Tincodera. Ao longo do jogo você reencontra os outros personagens pelas cidades e ao interagir com os seus rivais eles podem apenas conversar com você normalmente, ou então podem se oferecer para unir forças contigo e assim você segue jogando com dois personagens, há a chance de um deles sugerir um duelo para testar suas forças ou então eles simplesmente te atacam para pegar uma das runas que você encontrou.

Já deixei claro que não acho que o jogo tem muita coisa interessante, porém esse elemento de rivalidade com os outros personagens é uma mecânica que faz o jogo ter algum apelo. Até porque ele combina muito bem com a premissa inicial da história e constrói uma sensação de competição no gameplay.

Só que tem um porém. Sempre tem um porém!

Como eu ia dizendo, The 7th Saga é conhecido por ser um jogo difícil e você percebe isso logo de cara quando os primeiros inimigos são capazes de te dar um Game Over em menos de 10 minutos de jogo se você não fazer um grind inicial para conseguir aguentar a viagem até a cidade mais próxima. Conforme você progride na história, mais grind é necessário e por vezes ele nem te oferece tanta vantagem assim.

Quando você pensa que tá seguro surge um bicho arrombado que tira 70% do seu HP com um único golpe.

Entretanto The 7th Saga não era pra ser assim. A sua versão japonesa original, Elnard, está longe de ser um RPG tão difícil assim. Aconteceu que quando o jogo foi lançado aqui no ocidente os responsáveis pela localização, Deus sabe lá porque, decidiram dar uma fortalecida nos monstros. Não sendo o bastante, eles também diminuíram os atributos iniciais dos personagens que você escolhe. Nesse antigo post da GameFAQs você pode conferir todas as alterações feitas. A princípio não parece muita coisa, né? Mas acreditem, essas mudanças fazem uma puta diferença!

Sempre que eu falo desse jogo eu cito uma das lutas com um grupo de monstros comuns em que eu fiquei quase que dez minutos contados nela. Numa única luta! Tudo porque os inimigos conseguiam aguentar tanta porrada que quando eu derrubava um, antes de derrotar o seguinte ele ia lá e revivia o que eu tinha acabado de matar. Ou então eu perdia alguns turnos tendo que reviver o personagem principal ou o acompanhante, o que dava mais tempo para os inimigos se curarem ou reviver um dos seus também. E assim eu fiquei preso quase que num loop eterno só pra matar três bichos.

DEZ MINUTOS!

Aquele bicho verde ali no canto, foda-se ele!

Entretanto, outra vez, essa não foi a mudança mais impactante que a localização fez. Há outra filha da putagem que eu considero a maior responsável por todo o ódio que The 7th Saga me causou quando joguei nele.

Vejam, no original, sempre a cada dez níveis você ganha um boost de +1 no aumento dos seus atributos. Ilustrando melhor digamos que entre os níveis 1 e 9 a força do seu personagem aumenta dentro de um intervalo de 3–6 pontos a cada nível. A partir do 10 ela passa a aumentar de 4–7. Da mesma forma, quando você chega no nível 20 o aumento é de 5–8 e por aí vai. Dessa forma, quanto maior é o seu nível maior é o crescimento do seu personagem.

Dito isso, acho que vocês conseguem imaginar o que aconteceu na localização.

Sim, na versão ocidental você não recebe esse boost a cada dez níveis então seus atributos continuarão crescendo na mesma taxa do começo ao fim do jogo. Ah, mas isso nem é um problema tão grande assim, algum de vocês podem pensar.

ERRADO!

Sabe os seus rivais que como eu falei podem te encontrar pelo mundo e te chamarem pra uma trocação suave de soco valendo runa? Então, no jogo eles passam de nível junto com você de forma que vocês fiquem sempre em pé de igualdade nos duelos.

“““Igualdade”””

Acontece que os arrombados da localização não removeram o boost de crescimento dos seus rivais de forma que, na média, seus atributos sempre estarão abaixo dos deles. E não importa qual você escolha, o seu rival sempre estará na vantagem graças a fórmula da localização. No começo essa diferença não fica muito visível, mas a partir ali do nível 30 você nota como os outros personagens estão completamente overpowered em relação ao seu. E como são duelos, o personagem que te acompanha fica fora da luta então você não pode nem compensar com uma ajuda extra.

Com isso a mecânica mais interessante do jogo que era os duelos com seus rivais acaba se tornando a mais frustrante pois nos níveis superiores as lutas dependem exclusivamente de sorte. E põe sorte nisso pois você precisa torcer muito que seu personagem consiga desvia do ataque do seu adversário, que não acontece com frequência, e conseguir acertar um golpe crítico antes que ele se cure, que acontece com frequência (a cura, não o dano crítico). E pra galera dos emuladores aí que acham que dá pra contornar isso com save state, haha, não dá!

Isso não seria um grande problema quando você pensa que todos esses duelos são opcionais. Basta não interagir com nenhum rival quando você encontrar ele andando por aí que vocês nunca vão precisar sair no soco. Né?

NÉ?!

Errados de novo!

Porque tem uns duelos, dois se eu não me engano, que fazem parte do script do jogo e não podem ser evitados. Então se você quiser continuar com a história você vai ter que enfrentar algum dos seus rivais em algum momento. E, dependendo do nível que você estiver e de quem seja o personagem que você terá que enfrentar, o seu adversário pode já estar tão poderoso que fica próximo de impossível de derrotá-lo. Pelo menos não de maneira honesta. As chances são que você precisará se render ao macetinho que te permite lutar no duelo com dois personagens e assim ter alguma vantagem:

Enfim, a dificuldade de The 7th Saga é uma desgraça que vai te deixando cada vez mais puto. Então por que eu disse que no caso desse jogo ela importa?

Bom, meses depois de ter zerado essa praga eu resolvi pegar um patch que vi falarem num fórum que alterava os atributos da versão ocidental para a original japonesa deixando assim a dificuldade do jogo mais justa.

E de fato é gritante a diferença entre as duas. Enquanto na versão localizar eu tive que me preparar muito pra conseguir tankar alguns chefes e sofri pra ganhar vários duelos, na japonesa eu quase deitava todos eles com um combo de Defend + Attack que te dá um boost temporário de força.

E por isso eu parei o jogo no meio!

Apesar de achar a dificuldade de The 7th Saga injusta e frustrante, depois de jogar a original eu acabei pensando que a localização ocidental fez um favor ao jogo. Pelo menos para mim!

Porque a história não me interessava, os gráficos não enchiam meus olhos, o mundo era sem sal. A única força que me movia dentro de The 7th Saga era a do ódio. A raiva por ter sido derrotado tão facilmente por um saradão bronzeado era o que me fazia ter vontade de continuar só pra arrebentar esse maratonista do caralho. Era o pensamento de “eu não vou a porra de um joguinho de SNES me vencer!” que me motivava a continuar. A dificuldade era o que me mantinha engajado.

Era injusta pela maior parte do tempo? Sim.

Mas pelo menos era alguma coisa instigante!

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Críticas, ensaios e artigos de opinião sobre jogos e o que mais der na telha no momento

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